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À minha morte (que com certeza não é a sua)

Já nos encontramos antes, não é?
Não foi ontém mesmo que te vi sorrir para mim
Enquanto eu cantava e dançava
Por sobre verdes e viscosos túmulos?

Então, tu sorriste para mim…
Sim… Não sei se como rameira, se como esposa,
Porém, sorriste…

Sim! Não só sorriste
Como caminhaste em minha direção
E disseste coisas amorosas ao meu ouvido…

Agora, que te vejo assim tão bela,
Depois de passado tanto-tão pouco tempo,
Vestida de tal forma que espelhas
Minha alma noturna e cheia de estrelas,
Estou possuído pelo êxtase insano da possibilidade de cortejar-te.

Bem, queria lhe dizer para que saíssemos à caminhar então,
De braços dados como dois bons amigos,
E conversássemos um pouco sobre coisas pouco peculiares.
Afinal, minha mente tão cansada já não pode (ou não quer)
Perder seu tempo com assuntos que não condigam com a banalidade.

Bem, queria lhe dizer que foi um prazer lhe rever,
No entanto, não está um pouco cedo para que conversemos?
Afinal de contas, tu prometeste voltar só na próxima primavera
E vejo que viestes já no inverno,
Um pouco antes do determinado.

Ah! Já sei! Quiseste fazer-me uma surpresa, não?
É típico de sua personalidade!
Porém, tenho que lhe dizer apesar do agrado que todo esse lisonjeio me provoca,
Deveria de qualquer forma ter me avisado para que eu pudesse me preparar.
É claro que tudo isso quebraria o espírito da surpresa
Mas, morrer assim, sem um ataque cardíaco,
Sem uma doença seriamente corrosiva,
Tenho que admitir que é por demais pouco sociável aos olhos de outrem.

Tudo bem, sei que somos amigos íntimos
E que à ti dou certas liberdades que não tem com os outros,
Mas, temos que convir (apesar da nossa mútua admiração-ódio secreta)
Que não convém, principalmente à ti, ter preferências.

Ah! Então não se trata de uma preferência!
Mas sim de um capricho!
Uma vingança-brincadeira arquitetada para sua diversão!

Não! Não me incomoda!
Mas, tenho que dizer que não entendo o motivo do ardil
E menos ainda porque contra minha pessoa.
Nããão… Claro que não. Não me incomoda e nem são necessárias suas desculpas.

Só há uma coisa que penso.

Passei a vida toda te inquirindo, te cortejando e te amaldiçoando,
Agora, já que (apesar das divergências) sempre estivemos juntos,
Não vejo o porque do nosso relacionamento tão sério, tão bem estruturado
Tenha que se consumar de maneira tão fútil.

Nããão… Imagine! Jamais poderia postergar nosso derradeiro enlace,
Mesmo que este ocorra em circunstâncias peculiares.

Que seja já!

Vem amada!
Perdoa as minhas frivolidades!

Abraça-me forte.
Fecha os meus olhos.
Deixa-me descansar…

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Dor

No sonho daqueles que nos perderam

No sonho daqueles que nos perderam
Somos a nódoa da sombra
Que embranquece a luz.
E inerentes à coloração dos mortos nos fizeram,
Perdidos sob a relva,
À sustentar uma cruz.

E nos deram motivos para chorar à noite.
E nos deram lembranças e carinhos de açoite.
E nos fizeram voltar ao chão.

E singramos como os vermes
As paragens do húmus
Enquanto a mente estéril concerne
Os erros que ergueram nossos túmulos.

E as lembranças de quando éramos vivos
Nos escorrem da boca feito néctar sangüíneo.
Cavando túneis onde não chega o som dos sinos
O lembrar se transforma num caminho retilíneo.

E do transformar da sombra em sombra
É que se ergue a nossa mágoa.
Pois em pensamentos dividimos águas
Mas em toda fútil fúria nossa alma se assoma.

Pois ninguém nos rasga a carne na cama.
Pois ninguém nos compra a alma de lama.
Ninguém nos chama. Ninguém nos ensina.
Ninguém nos faz chorar.

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O Fim

Porvir III

Demônios culminarás nas sombras
E pelas alfombras
Verás os teus anseios
Perdidos nos seios
Que beijaste!

E tocarás no peito da Morte,
Pois quando o acariciaste
Decidiste adorá-lo pela eternidade
E com liberdade
Que te denota o pesar!

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Apokolips

A carne arremessada sobre o leito

A carne arremessada sobre o leito.
Olhos fixos no nada
Enquanto as veias quase secas
Empurram coágulos pelas suas galerias.

O desejo do fim da dor
Se confunde com o desejo da morte
E do descanso eterno
Enquanto os órgãos lutam para trabalhar.

Tanta vida e tão pouca vontade!
O moribundo jaz sobre o leito.
Sua vida se irmana com sua morte:
A busca do fim da dor.

A doença, depositada na alma,
Estende suas garras sobre o coração
E tapeado pelas imagens do sono
Não notou o seu avanço.

Mas ele ainda pode ter os olhos fixos no espaço
E cego vislumbrar as imagens que o enganaram.

Fama, Fortuna, Glória e Clamor,
Belas mulheres em langor,
Vírus da sua ilusão,
Súcubo do pensamento.

E sessenta e cinco anos foram necessários
Para se levar o moribundo do nada ao nada.

Sessenta e cinco anos de doenças e pequenos incômodos,
De trabalhos e feridas,
De estudos e desalentos,
De humilhações e sofrimentos,
De bebedeiras e afagos,
De traições e paixão doentia,
De desencanto e tédio,
De apodrecimento e falha,
De ascensão e glória,
De esforço e preocupação,
De desespero e dúvida.

Sessenta e cinco anos de crime, castigo e aspiração,
De auto flagelação e sonho,
De sonhar e cair,
De cair e se levantar,
De levantar-se e se apoiar nos espinhos,
De perfurar-se e cicatrizar,
De cicatrizar e adoecer,
De adoecer e se curar,
De curar-se e morrer,
De morrer e morrer de novo

Todos os dias até o pó.

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Interlúdio Poesias Ruins {Po(v)e(r)t[r]y} Teen Drama

{Po(v)e(r)t[r]y} A morte da filosofia

Em determinada noite, como sempre fria,
Morreu uma tenra Filosofia.
Sua vida foi reta e justa
E seus ares sempre a fizeram augusta.

Sua assassina foi a Mudança de Opinião.
Esta há muito lhe veio sorrateiramente,
Com conversas singelas, cheia de razão,
E quando não se esperava, cravou-lhe uma faca no coração.

Levada à julgamento
A todos fez ver
Que o seu assassínio
A alguém fez crescer.

E estava absolvida já
E todos lhe davam a mão
Quando chegou a última testemunha:
A Razão.

Esta última disse:
“Eu tudo presenciei.
Inclusive os fatos que depois transcorreram
Aqui a todos relatarei.”

“Foi num dia de imensa frustração
Que a Mudança de Opinião atacou,
E, sua aliada, a Opinião Alheia,
Muito lhe ajudou.”

“Viu-se a Filosofia atacada pela Sociedade.
Fugiu e encontrou a Solidão
Que só horror lhe causou.
Tentou defender-se e só um cão lhe escutou.”

“Mas, com coragem única lutou
Até que o Desejo consigo cruzou
E perguntou-lhe – Qual seu sentido?
E ela enfraquecida e sem resposta desmaiou.”

“Mudança de Opinião,
Que como traidora lhe acompanhava,
Viu seu corpo caído
E desferiu seu golpe que em covardia se ocultava.”

“A Filosofia morreu desacordada senhores.
Pois se estivesse desperta
Não conheceria tais horrores.”

“Não sei dizer qual o seu sentido
Não sei dizer se certa estava
A Mudança de Opinião.”

“Só sei uma coisa:
A Filosofia à muitos homens
Deu valor e coração.”

“E mais,
Filosofia foi morta,
Em meio a uma grande armação.”

“E os fatos que transcorreram depois
Creio que todos sabemos.
Nossos pensadores e contestadores perdemos.”

“O mundo perdeu as rédeas
E seus corcéis tem sido
Insanidade e Injustiça.
Loucos ambos em sua corrida.”

Depois disso a Razão silenciou-se.
Dizem as lendas que, Filosofia,
Na verdade não morreu: transformou-se.

E hoje é cortejada pelos bêbados,
Vendida nos prostíbulos,
Usa batom e sai aos sábados.