Te vejo, ó criança,
Por lençóis circundada.
Quem diria te vendo assim, tão singela no berço,
Que tua existência seria tão enclausurada?
Hoje rasgando o véu do teu futuro pelos teus olhos infantis
Ouço, como Caminhante das Trevas que sou,
Os lugares sombrios que comigo, companheiro, visitastes.
Os lugares que tua forja incomum te levará-levou.
Nós dois, criados de materiais diferentes,
Porém os de ambos peculiares,
Fizemos caminhadas atrozes
Perseguidos por dúvidas seculares.
E hoje, ó criança,
Fruto do teu passado que descreves
No olhar perdido no espaço
Que concerne os caminhos que trilhar deves!
Te vejo, ó criança,
Como eu sonhando com o caminhar
Sabendo ou não se nele se encerra o sentido
Com um “quê” na alma que busca explicar.
Te admiro, ó criança!
Teu coração de trevas-luz
Foi esmagado até a destruição
Para a qual não encontro jus.
Tua esperança reduzida ao nada
E tua confiança reduzida ao vácuo.
E só restou na tua alma
Um articular de planos opaco.
Te convidaria a alçar asas pelos caminhos noturnos,
Mas não o faço porque sei
Que tua natureza, putrefata e fúnebre,
Para ti é uma lei.
Mas meu amigo,
A mim e a ti convidaram para descer
Ao abismo da alma humana
E assim a todos e a nós conhecer.
Mas meu amigo,
O que não aprendestes
Foi a sorrir
Quando de fato devestes.
E se o abismo te olha
Quando dentro dele você olhar
Com certeza se você rir
Ele com você rirá.
Então, ó companheiro,
Vê se alça essas asas noturnas e voa,
Mas não negue sua natureza,
Nunca, jamais, pelo tempo que da vida se escoa.
Sêde, ó Alma do Mal,
O abarcador das trevas e da luz
E não se perca (e nem perca tempo) no caminho,
Que a mente, mas não o coração, conduz.
E se o tempo lhe parecer muito,
Lembre-se que mais ameno foi a muitos,
Mas, mais construtivo foi a nós,
Que caminhamos juntos.
E fechando as portas visionárias
Que a contemplação do teu novo corpo me abre
Posso lhe afirmar que nossas almas antigas
O caminho ao nascer escrito em si já trazem.
Agora criança, despeço-me.
Toco tua fronte.
Agora é chegada a hora
De triunfal cruzar o Aqueronte.
Até breve, amigo…
Para Roberval Ranches