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Noite

A noite

I – Invocação

Que o manto da noite
Venha à mim como açoite
E que proteja o vil humano debaixo do seu véu.

Que as asas do desespero
Venham à mim com esmero,
Lágrimas e fel.

Mas, que a sanidade não me abandone
E que às minhas loucuras não se some
Escorrendo da minha boca feito mel.

II – Oração

Deusa-Mãe Treva,
Te chamamos nós teus filhos
Para nossa proteção.
Ergue teu manto e nos abriga na escuridão.

Mãe, que graciosa e justa é tua benção
Que esconde a nós parasitas noturnos,
Assassinos e estupradores
Que só conhecemos esses ares soturnos.

Durante o dia sofremos esfomeados
Esperando teu seguro esconderijo
Para vomitarmos nossa humana putrefação
E mostrar aos nossos olhos o real prodígio.

Benditas sois vós que escondeis dos nossos olhos
Os pobres, os esfomeados e os doentes.
Fruto do vosso ventre é
Cada uma das criaturas decadentes.

Ó não mais virgem Noite,
Mãe pura eviscerada pelo feto do teu útero,
Sê complacente conosco.
Nós, teus filhos sem número.

Não nos jogueis na violência do dia
Onde não podemos vomitar nossas podridões
Sem que o mundo não nos jogue aos algozes
Todos ávidos de eviscerações.

Ó Treva Eterna,
Nós, filhos do teu estupro,
Pedimos apenas um lugar para ficar
E o teu abraço maternal e amigo.

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Noite

Antes da tarde

Antes da tarde
A noite versejava
Buscando o teor da rima correta
Que vagueava pelas paragens do dia.

Tardia veio com seu manto
A sentar-se por sobre montes e verdes campinas
A divagar sobre sinas eternais.

Nesse dia, Tarde, que maior,
Estendeu-se às paragens do relento
E sem tempo
Viu-se indignada com a preguiça da irmã:

– Afã – disse – é uma coisa boa,
Desde que vida não se entenda com seriedade,
Mas, à toa.

– Boa – argumentou – é a leoa
Que espera o parto
Caçando o veneno dos insetos
Que perpétuos
Andarão nas garras dos seus filhos.

A noite, com a pena à mão,
Estendeu seu manto
E com o pranto
Depositou na terra
A rima tardia,
Que arredia,
Encerra o mistério do sol.

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Noite

Amor à Sombra da Noite

Um sorriso é tão somente um sorriso
E se a ti parecer mais,
Ó Sombra da Noite,
Vem e beija-me!

Respiro-te.
Sinto-te.
Provoco-te prazer.

E se de ausência ou proximidade
A minha presença carecer,
Ama-me!

Pois só nos extremos insensíveis
Ao toque, ao olhar tão humanos,
É que nos tornamos menos perecíveis,
Mais próximos de etéreos planos!

Na sombra forjei-me.
Na sombra cresci.
Na sombra vivi.

E se agora a tua imaculada negritude
Me parece, talvez, como alheia
À minha insana inquietude,

É que a velhice provocou
Cegueiras na mente
E o coração profundo sono tocou!

Por isso, toca-me e sente
As névoas por entre as minhas ideias.
As luzes por entre as minhas concepções.

Toca-me e ama-me, ó Sombra da Noite.
Une os nossos corações.

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Noite

Noites de garras armadas I

Perfume maldito provém
Do vômito de minhas entranhas
E a mente sua boca faminta arreganha
Querendo devorar e ruminar tudo que me vem!

Hoje é um dia
Que as vísceras do meu pensamento
Estão largadas à lassidão!
E sua paralisia
Provoca o tormento
Que corrói a compreensão!

Eu sou um sonho!

O sonho de uma noite
Que de garras armadas
Empunhou sua fúria
Fazendo das esperanças formas destroçadas!

Eu sou o som!

O som atirado ao silêncio
Que vivifica mortes conflitantes
Que abrem brechas mendicantes

Por vermes que as penetrem!

Eu sou a víscera do universo!
E nesse verso
Derramo o meu funcionar:

Pouco tranquilo.
Pouco coerente.
Verde berilo.
Deliro inconsequente!

Noites de garras armadas!

Silêncios de multidões enclausuradas
Dentro desse organismo tosco,
Convalescente, morto!

Mortalmente eterno
No girar que faz subalterno
Nosso querer!

Ânsia da vida é fenecer!
Ânsia da morte é fazer ceder
O fio da vida!

O círculo do eterno encontro e despedida!

Noites de garras armadas!

Tantas às contemplei!
E no seu odor guerreiro presenciei

O chamar do demônio ávido de vida!
De céu!
De glória!
Resgatar da memória
Seus dias paradisíacos!

Noites de garras armadas!

Estrelas sanguíneas
Cortejando uma lua velha,
Cansada, desdentada!

Cai do céu,
Em tais noites,
O clamor!

E quando se choca com a terra,
Com estertor,
Provoca demolições!

Noites de garras armadas!

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Noite

Noite de garras armadas II

Uma fera ruge
E seus dentes são estrelas
Na sua boca aberta!

Uma deusa cobre
Com seu manto as centelhas
De vidas humanas que em oferta

Estendem seus braços ao Olho de Hórus:

Lua!

Inspiradora da licantropia!
Homens-lobo arreganham os dentes
Ante seu olhar benevolente

E terno!

E no Inferno

Cantam demônios canções em teu nome
Enquanto a chama consome
Alma mortal

Sob sua orientação
E redenção!

Cair aos pés da noite
De garras armadas
E rugir raivosa e alegremente
À cada um dos seus dentes!

E sentes!

Não há outro caminho
Que não seja aquele:

Sozinho!

Sai do ninho, Pássaro-Demônio,
E vai!

A noite cai
E vai
Ao teu encontro
Enquanto derrama sua saliva

De fel!

E no céu

Anjos se escondem!

Asas ensanguentadas caem ao chão
Destroçadas!
Potestades evisceradas
Sucumbem sem razão!

Tamanha, santa e bendita podridão!

Anjos fecham os olhos
Ante o auge da natureza da criação:

A noite de garras armadas
A rasgar o próprio coração!