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Versos Medíocres

Se jogada à toa

Se jogada à toa
Por sobre o papel foi a poesia
É porque tardia
É a hipocrisia do escritor.

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Separação: Dores de parto e outras dores

Brincar de ânsia

Já brincaram de ânsia alguma vez?
Eu o tenho feito a vida toda!
Tanto que se tornou brincadeira boba
Para minha pessoa em sua eterna insensatez!

Sabem, era hórrido (bem, ainda é),
Porém acostuma-se a frustrar-se.
No fim consolo é que estamos mesmo fadados aos vermes
Que estão à regozijar-se…

E então o que?

Num dia, numa noite, num sonho
O destino acorda risonho
E te dá o néctar dos deuses!
E tu bebes, te embriagas!
E no meio da bebedeira
Tu sentes a vida correr-te pelas veias!

Parece que quebraste as teias e os círculos
      Da sorte!
Quebraste o tear das Parcas!
      A vida é um céu!

Cada detalhe da felicidade tu marcas
Em cada árvore da imaginação!
És agora um menino, estilete à mão, apaixonado!
És agora um homem, sorrisos e lágrimas em profusão, enfim libertado!
Depois de séculos de prisão!

Então, gira a roda da fortuna:
Bem vindo ao mundo!
Bem vindo à frustração!

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Algum Ódio

Uma era se vai

Uma era se vai
E outra se levanta.
As coisas são como são: se sucedem.
Isso não me espanta.

Deixar para trás
Faz parte do processo,
E ficar possesso,
Não dar vazão à paz,

É uma grande besteira.

As multitudes vêem
Os períodos glórios
Como imbatíveis territórios
Ou obeliscos gigantescos,

Mas para forjar pretextos
Ante à passagem do tempo
Erguem altares à ídolos adornados de adereços
Aos quais louvam mesmo diante do rugir do erosivo vento.

Então, assim não se adapta ao novo
A mente humana,
Essa analfabeta insana
Que se julga detentora do poder ao impedir o quebrar do ovo.

Bem, de fato não o impede,
Mas prefere viver em mundos virtuais
Onde o pássaro-demônio ainda nem passou
Do que observar a casca que diante de si cede
Ante as investidas cerberais
Da noite que ali se ocultou.

E quando o recém nascido
Estende suas asas flamígeras
Abarcando toda extensão do manto noturno,
Essa velha afirma ver o mesmo cansado sol enfraquecido
Na já conhecida celeste abóboda ridícula
Sob um ar causticantemente diurno.

Arranquem os olhos então!
Cegos!
E vejam!
Nessa cruz não há pregos!

Nem sangue!
Nem mártir!
O tempo já deixou à parte,
Por sob a terra,
Esses ares aos quais fazem tal alarde!

Não é hora de se masturbar
Em nome da moribunda esposa!
É hora de nova amante!
Nova alcova!

É hora de novos demônios enfrentar
E deixar velhos guerreiros
Finalmente e impostergavelmente
Ao descansar!

Por isso
Assassinai os ídolos!
Buscai nos vestíbulos
Pelas sombras do passado,

Mas por favor,
Não vão ficar aí parados
Ouvindo conversas de comadres
Provindas de sermões de padres!

Não vão ficar aí por fim
Dizendo: “Ó quão belas são minhas estátuas de marfim!”

Só vocês não percebem:
Estátuas não se movem!

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O Fim

Porvir VIII

A cadeira de balanço
Vai e vem
E o ranger de suas madeiras
Uma história contém.

O velho que por sobre ela senta
Tal história conhece muito bem,
E seus olhos azuis, cansados e cegos,
Aparentam que tudo vêem.

Porém o velho nada está a olhar.
Seus pensamentos viandantes
Estão aprisionados numa carcaça
Incapaz de voar
E do tédio, a taça,
Passa os dias a bebericar.

Na lareira, cinzas ancestrais
O fogo não queima.
A madeira inexistente não teima
Em querer ressuscitar…

…Para queimar…

O velho levanta um pouco sua cabeça
E no seu semblante
Um ar de quem conhece a peça faltante
Do quebra-cabeça

Está a se demonstrar.

O velho sorri,
Mas seus olhos são frios.
Enquanto a cadeira fica a balançar.

A madeira do assoalho é suja e gasta
E sua velhice desgasta
A juventude de quem nela pisar.

Seu jogo é calmo e eterno.
Eterno friccionar
Com a cadeira à balançar.

Na parede há uma moldura
     Sem quadro.
Perto à porta há uma escultura
     Que tal retrato
Fica a contemplar…

…Enquanto ouve o barulho da cadeira a balançar.

O velho sabe e espera
Pelo dia em que a cadeira,
Tal quimera,
Parará de balançar…

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Algum Ódio

Beleza é torpe

Beleza é torpe,
Porém prefiro cabelos encaracolados
Dos quais não se possa ficar por baixo.

Afinal, se lesmas e caracóis
Escorrem da tua cabeça
Tal qual medusa pós-moderna
Não serei eu a me alimentar de tais vermes,

Ainda prefiro serpentes
Que nos transformem em pedra,
Ou Circe,
Que nos transforme em porcos,

Do que masturbação intelectual
Sobre insegurança
Ou endinheiramento real
Em nome da tua passada pseudo-militância.

Verá que de vilanezas singelas
Arquitetaste tantas que serias incapaz de contar.
Arquitetaste colar de contas que ficas a ostentar.

É. Nesse teu jeito pueril
Manténs teu ardil.
Na tua incapacidade de transformação
É que és febril.

Vieste de uma época
Em que o respirar de amantes na cama
Era contabilizado
E o brincar de infantes na lama
Era vetado.

Mas agora que somos condenados a viver livres
Não nos venha falar sobre aquilo
Que já estamos cansados de saber
Enquanto a noite dormes tranquilo
Achando cumprido teu dever…

…Em noites de sonho verde-berilo
Embaladas ao som de MPB.

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Delírios

Sabe

Sabe,
   Tanto fez
     Como tanto faz.
       Se não se faz
         Se não quer.
           Se não se quer
             Se não tem

E se não seria um bom motivo pro suicídio enfim.

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Delírios

Chamado a Messe

No aperto do teu seio uma coisa é certa
Bate o puder nas curvas de relógio alpino
E imperando desatinos a morte alerta
Vilipendiando baços pâncreas intestinos

Diarreia da vontade me aperta
No aperto das torturas e desatinos
Donzela de ferro máscula e esperta
Prega-me perfura-me com seus pinos

Pináculos de montanhas na janela
Vácuo de baços pâncreas intestinos
Peidos preenchem o vazio da gamela
Gameleira serra dos peregrinos

Vaga a mente agora e espera
O vilipêndio dos páragos prosepinos
Vargem-se de enleios minha merda
No suspiro dos baços pâncreas intestinos

Intestine-se nu meio que me acerta
Com socos pontapés alevinos
Nadam no mar da morte Berta
Párocos postam-se proselinos

Vá-te-se então de porta aberta
Cômodos não se restringem aos meninos
Vire-se coce-se seja esperta
Finja-se de morta aos desatinos

Erre-se lamba-se fique alerta
A passagem de enteados malevinos
Insurgem-se em barcos em ilha deserta
Levando passageiros pobres palpatinos

Luvem-se ao frio que dilacera
Toquem-se na lã de alpatinos
Orelha quebrada não se enxerta
Enxergue mais longe condecoralinos

Vai-te embora flecha da última cerda
Voa como quem come batáquions girinos
Come-se na autofagia da chaga de Guerta
Mão que engulo até os leprosos cotovelinos

Eu fui teu amor de última verba
E na tua bunda vejo o badalar de sinos
Rebola como paróquia que requebra
Chamando os crentes aos mistérios divinos

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Considerações

Reflexos – partes xii e xiii (final)

Parte I
Parte II
Parte III
Parte IV
Parte V
Parte VI
Parte VII
Parte VIII
Parte IX
Parte X
Parte XI

XII

O vento sopra numa terra deserta.
Estou nela e isso me põe alerta
À presença do portão.

Aqui, nu, em meio ao nada
Jogo o “Ás” de uma culpa marcada
E fixo toda a minha atenção:

“Lá está o portão…”

Me escapa pelos lábios
E como o sussurrar de velhos arqueados
Repete o eco pela amplidão:

“Lá está o portão…”
                  “o portão…”
                      “o portão…”

“A saída! A derradeira saída
Desse lugar de reflexos e comparação
E de olhos que me perseguem pela escuridão!”

Toco o pilar direito do Umbral.
Suas runas brilham e sua voz é um temporal:

“Eu sou o pilar direito!”

“Quem caminha na sombra me chama de irmão!
Quem caminha na luz me chama de trevas!
Que, à tocar-me te levas,
Tu, sem pátria nem coloração?”

Então, cabisbaixo levo à mão ao esquerdo.
Sua voz se faz do cantar azedo
De pássaros mortos que voam sem direito:

“Eu sou o esquerdo pilar do Umbral!
Runas não tenho, sou de um escuro sepulcral.”

“Assim separo meus amigos.
Que queres de mim mortal?”

“Que queres de nós?”
Dizem os dois tal qual destruidor vendaval.

“Passar! Passar!
Passar é um sonho!
Deixar,
Uma sandice!
Mas onde,
Ninguém me disse,
Posso ir sem me olhar?”

Os pilares se fundem
Numa moldura
E assim se confundem
Numa já conhecida escultura.

Salto rápido,
Não quero olhar.
Agora sou imagem,
Que terei que contemplar?

XIII

Acordei esta manhã e quando me olhei no espelho meus olhos estavam secos,
Mas meu reflexo chorava.

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Noite

Amor à Sombra da Noite

Um sorriso é tão somente um sorriso
E se a ti parecer mais,
Ó Sombra da Noite,
Vem e beija-me!

Respiro-te.
Sinto-te.
Provoco-te prazer.

E se de ausência ou proximidade
A minha presença carecer,
Ama-me!

Pois só nos extremos insensíveis
Ao toque, ao olhar tão humanos,
É que nos tornamos menos perecíveis,
Mais próximos de etéreos planos!

Na sombra forjei-me.
Na sombra cresci.
Na sombra vivi.

E se agora a tua imaculada negritude
Me parece, talvez, como alheia
À minha insana inquietude,

É que a velhice provocou
Cegueiras na mente
E o coração profundo sono tocou!

Por isso, toca-me e sente
As névoas por entre as minhas ideias.
As luzes por entre as minhas concepções.

Toca-me e ama-me, ó Sombra da Noite.
Une os nossos corações.

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Interlúdio Teen Drama

Ideal perdido

Não quero regurgitar
Velhas frases já engolidas,
Mas tantas são as lágrimas
E tão profunda é a tristeza da despedida.

Tão fracos foram os dias de glória
Que se partiram em mil pedaços,
E caindo no tempo
Se perderam no vazio espaço

Que é meu coração.

Crenças criam força.
Sonhos criam homens.
Loucuras tornam suportável a razão.

Mas realidade sem sonho
É como o avistar risonho
De sepulcral caveira
Que torna tudo enfadonho.

Ah! Mas razão sem crença
É como um útero estéril.
É como edificar um palácio
Sobre areia movediça.

Hoje só queremos viver,
Mas não era muito melhor
Quando queríamos a vida absorver,
Brilhar e reduzir a nada o pior.

Os homens tem coração negro
Mas a negritude em nós é sem igual,
Porque vimos o abismo e cuspimos
E hoje freqüentamos o tal.

Onde está nosso brilho?
Se perdeu na nossa mais cruel traição?
Inventamos tantas desculpas…
Para que?! Nem à nós mesmos convence essa falação!

Onde está nosso coração?