Eu quero chorar todas as lágrimas
As lágrimas que não derramei pela minha mãe
As lágrimas que não derramei pelo meu irmão
As lágrimas que não derramei pelo meu pai
As lágrimas que não derramei por meus tios e tias
Pelos meus avós
Pelos meus amigos que se foram,
Tanto os mortos quanto os que vivem,
Tanto os meus como os de outrem
Todas as lágrimas que o mundo proporcionou
Todas as lágrimas que o acaso entregou
Toda ausência de carinho, de sentido, de fé, de medo, de fragilidade, de devoção
Chorar toda a ingratidão do céu cansado de nós
Chorar toda a solidão da terra abandonada ao algoz
Que somos nós…
As lágrimas são infindáveis
E são uma benção
Rasgam a minha alma endurecida
Lavam o meu rosto embrutecido
Vincado e deformado pela falta de um sorriso.
E a lágrima é a irmã do sorriso
Quando ela mergulha no meu espírito
Quando ela debulha o meu sigilo
Ela faz brotar vindo do meu ventre esse último sorriso
Esse que me diz que vivo
Que o humano em mim deseja
Quer proximidade
Quer perdão pelo que não é culpável
Essa lágrima, esse sorriso,
São um só!
E provam que há vida e que além
Muito além de qualquer perspectiva
Ela resiste
Resiste por não querer mais resistir
Mas se entregar
À todas as lágrimas que caem desse céu escurecido
Sorrindo na redenção recostada no regaço de todo desconhecido