A vida é um poço de sofrimento
Do qual acreditamos na augúria
De recolher um balde de contentamento.
Repetimos: “Sonhar não tem preço”.
Mas o preço do sonho é a angústia
E o salário da angústia o medo.
Esse medo nos persegue também incansável
Como a figura ao lado do poço.
Ela nos diz todo dia e toda hora o inenarrável:
“Pouco, insuficiente, raso e tosco”.
O que foi erigido ou feito sequer preenche uma linha da mão;
Essas linhas que já se apagaram de tanto segurarem a corda
Que presa ao balde mergulha dia após dia em vão
No vazio profundo que contemplamos de pé ao lado da borda.
Os calos varrem qualquer sombra de destino,
A repetição qualquer vislumbre de sentido.
Há apenas:
A corda, o balde, o poço, a tarefa.
Buscando apenas o que nos resta,
De tentar aplacar a sede que nos afronta
Na beirada do poço fazendo monta
Daquilo que fatalmente isso atesta:
Morrendo todo dia um pouco fazendo graça
Levantando baldes como se fossem taças
Na pior e mais prosaica das festas.
E entre os serviçais que passam as bandejas,
Servindo fel, petiscos de sapos, canapés de larvas,
Ouço ao fundo mais um conviva de garganta ressequida
Bradando repetidamente incansável: “O que é a vida?”