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Factory

As mãos que plasmam o futuro

As mãos que plasmam o futuro
Estão rotas.
Suas recompensas, tão parcas,
Tão poucas

São entregues como ao pedinte, ao indigente.

Desmerecidas que são em suas obras,
Relegadas ao esquecimento das sombras

Passam a acreditar na desimportância que lhes atribuem
Definhando-se no descaso que lhes constituem.

E mesmo pobres e desacreditadas seguem:

Erguendo edíficios, pintando quadros,
Instruindo pupilos e manobrando carros.

Porque há entre a batida do cartão
E o brandir do martelo
Uma força, um mistério,
Que exige ao humano continuar mesmo quando nega a razão…

…E lutar impulsionado pelos revezes do senão!

Porque há algo além que o impele a não cruzar os braços
Quando ainda há a sua frente tantos espaços

Que agora são só tocados pela imaginação.

E desse silencioso ou ruidoso trabalho que se faz
Por mãos daqueles tidos como meros e ínfimos mortais

Que se sustenta e se guarda toda a civilização.

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Certas mulheres O Fim

Mulher Demoníaca I

Ah Tu que fria
Ergue-te assim
Diante de mim
Altiva e esguia,

A me olhar
Com o olhar das serpentes!

E em meio aos movimentos eloquentes
Da tua língua audaz
Vi o portento que nos traz

Desejar-te, ó carne feminina,
Caixa de Pandora
Contedora de prazer!

Vêde que feliz creio que te sei fazer
Se nos meus braços lhe envolver
E olhar nos teus olhos negros e demoníacos
Que tua vilaneza denotam,
Ó mulher sombria,
Filha arredia
De um apátrida sem par!

Vede que pousando minha mão por detrás da tua cabeça,
Enquanto a outra pelo teu corpo talvez desça,
Posso sentir mais profundamente, ó força,
Que vejo encerrada nesses olhos felinos!
Nesses belos traços femininos!

Mulher!
Teu perfume é o vácuo que se encerra no coração!
Tua atração é a frieza e o cálculo da tua razão!

Ó morena de olhos malditos,
Como eu te amo!
Digo mais!
Me sinto diante de algo luciférico,
Me parece que as chamas do inferno
Ardem no formato lindamente esférico
Dos bicos dos teus seios!

Mulher! Tu és lindamente pérfida!
Maravilhosamente macabra!
Perfeitamente fétida!

Fazer amor contigo
É como adorar o demônio!
Beijar-te o umbigo
É despertar fúria
Que ensoberbece o coração e faz injúria
Às coisas divinais!

Ó morena fria
De lábios cheios de lembranças sepulcrais!
Ó morena fria
De infernos lindamente vaginais!

Penetrar-te é mergulhar no Averno!
Alucinar-te é compactuar com o eterno…
…Eterno gozar de prazeres do Orco!

Ó morena fria
De falar tão terno!

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Noite

Antes da tarde

Antes da tarde
A noite versejava
Buscando o teor da rima correta
Que vagueava pelas paragens do dia.

Tardia veio com seu manto
A sentar-se por sobre montes e verdes campinas
A divagar sobre sinas eternais.

Nesse dia, Tarde, que maior,
Estendeu-se às paragens do relento
E sem tempo
Viu-se indignada com a preguiça da irmã:

– Afã – disse – é uma coisa boa,
Desde que vida não se entenda com seriedade,
Mas, à toa.

– Boa – argumentou – é a leoa
Que espera o parto
Caçando o veneno dos insetos
Que perpétuos
Andarão nas garras dos seus filhos.

A noite, com a pena à mão,
Estendeu seu manto
E com o pranto
Depositou na terra
A rima tardia,
Que arredia,
Encerra o mistério do sol.