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O Fim

Porvir VIII

A cadeira de balanço
Vai e vem
E o ranger de suas madeiras
Uma história contém.

O velho que por sobre ela senta
Tal história conhece muito bem,
E seus olhos azuis, cansados e cegos,
Aparentam que tudo vêem.

Porém o velho nada está a olhar.
Seus pensamentos viandantes
Estão aprisionados numa carcaça
Incapaz de voar
E do tédio, a taça,
Passa os dias a bebericar.

Na lareira, cinzas ancestrais
O fogo não queima.
A madeira inexistente não teima
Em querer ressuscitar…

…Para queimar…

O velho levanta um pouco sua cabeça
E no seu semblante
Um ar de quem conhece a peça faltante
Do quebra-cabeça

Está a se demonstrar.

O velho sorri,
Mas seus olhos são frios.
Enquanto a cadeira fica a balançar.

A madeira do assoalho é suja e gasta
E sua velhice desgasta
A juventude de quem nela pisar.

Seu jogo é calmo e eterno.
Eterno friccionar
Com a cadeira à balançar.

Na parede há uma moldura
     Sem quadro.
Perto à porta há uma escultura
     Que tal retrato
Fica a contemplar…

…Enquanto ouve o barulho da cadeira a balançar.

O velho sabe e espera
Pelo dia em que a cadeira,
Tal quimera,
Parará de balançar…

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Algum Ódio

Beleza é torpe

Beleza é torpe,
Porém prefiro cabelos encaracolados
Dos quais não se possa ficar por baixo.

Afinal, se lesmas e caracóis
Escorrem da tua cabeça
Tal qual medusa pós-moderna
Não serei eu a me alimentar de tais vermes,

Ainda prefiro serpentes
Que nos transformem em pedra,
Ou Circe,
Que nos transforme em porcos,

Do que masturbação intelectual
Sobre insegurança
Ou endinheiramento real
Em nome da tua passada pseudo-militância.

Verá que de vilanezas singelas
Arquitetaste tantas que serias incapaz de contar.
Arquitetaste colar de contas que ficas a ostentar.

É. Nesse teu jeito pueril
Manténs teu ardil.
Na tua incapacidade de transformação
É que és febril.

Vieste de uma época
Em que o respirar de amantes na cama
Era contabilizado
E o brincar de infantes na lama
Era vetado.

Mas agora que somos condenados a viver livres
Não nos venha falar sobre aquilo
Que já estamos cansados de saber
Enquanto a noite dormes tranquilo
Achando cumprido teu dever…

…Em noites de sonho verde-berilo
Embaladas ao som de MPB.

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Delírios

Sabe

Sabe,
   Tanto fez
     Como tanto faz.
       Se não se faz
         Se não quer.
           Se não se quer
             Se não tem

E se não seria um bom motivo pro suicídio enfim.

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Delírios

Chamado a Messe

No aperto do teu seio uma coisa é certa
Bate o puder nas curvas de relógio alpino
E imperando desatinos a morte alerta
Vilipendiando baços pâncreas intestinos

Diarreia da vontade me aperta
No aperto das torturas e desatinos
Donzela de ferro máscula e esperta
Prega-me perfura-me com seus pinos

Pináculos de montanhas na janela
Vácuo de baços pâncreas intestinos
Peidos preenchem o vazio da gamela
Gameleira serra dos peregrinos

Vaga a mente agora e espera
O vilipêndio dos páragos prosepinos
Vargem-se de enleios minha merda
No suspiro dos baços pâncreas intestinos

Intestine-se nu meio que me acerta
Com socos pontapés alevinos
Nadam no mar da morte Berta
Párocos postam-se proselinos

Vá-te-se então de porta aberta
Cômodos não se restringem aos meninos
Vire-se coce-se seja esperta
Finja-se de morta aos desatinos

Erre-se lamba-se fique alerta
A passagem de enteados malevinos
Insurgem-se em barcos em ilha deserta
Levando passageiros pobres palpatinos

Luvem-se ao frio que dilacera
Toquem-se na lã de alpatinos
Orelha quebrada não se enxerta
Enxergue mais longe condecoralinos

Vai-te embora flecha da última cerda
Voa como quem come batáquions girinos
Come-se na autofagia da chaga de Guerta
Mão que engulo até os leprosos cotovelinos

Eu fui teu amor de última verba
E na tua bunda vejo o badalar de sinos
Rebola como paróquia que requebra
Chamando os crentes aos mistérios divinos

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Considerações

Reflexos – partes xii e xiii (final)

Parte I
Parte II
Parte III
Parte IV
Parte V
Parte VI
Parte VII
Parte VIII
Parte IX
Parte X
Parte XI

XII

O vento sopra numa terra deserta.
Estou nela e isso me põe alerta
À presença do portão.

Aqui, nu, em meio ao nada
Jogo o “Ás” de uma culpa marcada
E fixo toda a minha atenção:

“Lá está o portão…”

Me escapa pelos lábios
E como o sussurrar de velhos arqueados
Repete o eco pela amplidão:

“Lá está o portão…”
                  “o portão…”
                      “o portão…”

“A saída! A derradeira saída
Desse lugar de reflexos e comparação
E de olhos que me perseguem pela escuridão!”

Toco o pilar direito do Umbral.
Suas runas brilham e sua voz é um temporal:

“Eu sou o pilar direito!”

“Quem caminha na sombra me chama de irmão!
Quem caminha na luz me chama de trevas!
Que, à tocar-me te levas,
Tu, sem pátria nem coloração?”

Então, cabisbaixo levo à mão ao esquerdo.
Sua voz se faz do cantar azedo
De pássaros mortos que voam sem direito:

“Eu sou o esquerdo pilar do Umbral!
Runas não tenho, sou de um escuro sepulcral.”

“Assim separo meus amigos.
Que queres de mim mortal?”

“Que queres de nós?”
Dizem os dois tal qual destruidor vendaval.

“Passar! Passar!
Passar é um sonho!
Deixar,
Uma sandice!
Mas onde,
Ninguém me disse,
Posso ir sem me olhar?”

Os pilares se fundem
Numa moldura
E assim se confundem
Numa já conhecida escultura.

Salto rápido,
Não quero olhar.
Agora sou imagem,
Que terei que contemplar?

XIII

Acordei esta manhã e quando me olhei no espelho meus olhos estavam secos,
Mas meu reflexo chorava.